No rasto do sol

domingo, dezembro 05, 2004

Idiossincrasias&Janelas

Amor (Lat. amore), s.m. viva afeição que nos impele para o objecto dos nossos desejos; inclinação da alma e do coração; objecto da nossa afeição; paixão; afecto; (...)

Esta é a definição de 'amor' dada pelo dicionário Universal da Língua Portuguesa. É o ponto de partida para as inúmeras palavras que cada um de nós tende a acrescentar à sua própria (re)definição. Idiossincrasias. Porque nada é estanque, linear, objectivo e exacto. Cada verdade encerra em si tantas verdades quantas as pessoas envolvidas. O fenómeno até pode ser o mesmo mas, altera-se pelos olhos de quem o vê, consoante a perspectiva do observador, torna-se volátil.
Cada pessoa tem uma janela própria de onde vê a vida, a que lhe passa diante dos olhos e que constitui a sua verdade, a sua realidade. Deve ser por isso que só compreendemos o que nos é espelhado no coração. A nossa verdade, única, pessoal e intransmissível.
A menos que a janela seja muito grande, como a minha (o que por vezes é complicado de gerir), porque como a realidade que vislumbramos (através) da nossa janela é (quase) superior aos limites do nosso campo visual, temos que recorrer aos afectos para que a possamos intuir. E eu não posso esperar que alguém que tem uma janela pequenina, consiga perceber que através das vidraças da minha grande janela se desvenda um mundo imenso (de -outras- verdades que não são só minhas) que me transcende.
A minha realidade começa muito antes de mim e ultrapassa-me em larga escala. Compreende todos os olhares que cruzam e atravessam o meu, todos os meus afectos e os afectos de todos os que me afectam, a mim e aos meus afectos.
Podia ter feito cortinas, transformava a janela num postigo e reduzia a vida a uma escala bem mais simples. Só que, ter uma janela grande é como ter um coração imenso... ao mesmo tempo que entra a chuva, irradia um sol enorme que irrompe pelas vidraças e contagia tudo. Talvez tenha sido por saber isso que optei por não ficar sentada, atrás da vidraça, a observar os fenómenos. escolhi sempre apanhar a chuva e o sol, contemplar a vida no epicentro dos acontecimentos e depois escrever. Escrever. Dar nomes às coisas. Dar sentido ao que vejo, sinto, penso, imagino. Dar sentido às palavras. E partilhar. Partilhar com as outras janelas, a paisagem da minha. Por amor. Porque a escrita é, antes de mais, um acto de amor... de entrega... de partilha.
Idiossincrasias. É o que tenho para partilhar. A reacção individual e própria da pessoa que sou. A minha relação particular com o mundo, com os mundos que atravessam o meu. Por isso, escolhi contar estórias, por amor. Por amor às palavras e aos personagens que lhes dão sentido. Sou uma narradora de afectos, os meus, os dos outros e os que os outros provocam em mim. Participante, não participante, omnisciente, presente, ausente... conto histórias das marcas que deixamos uns nos outros. Palavras ao vento...
Não tenho qualquer pretensão... a escrita é só (para mim que estou longe de ser escritora) um mero processo de catarse, de todos os 'eus'.

A minha definição de amor é corroborada pela luz da janela da minha alma, pela luz que os meus afectos me emprestam a cada dia. Sou mesmo uma iluminada... porque o que conta, verdadeiramente, na vida é o amor que damos e recebemos uns dos outros. E a escrita confere ao amor um carácter de permanência e imortalidade, permite-nos devolver aos outros o que recebemos. Por outras palavras, a magia da palavra escrita está na sua efectiva permanência, na possibilidade que abre à partilha, é uma hipótese à construção (cada vez mais rara) de pontes em vez de muros.

Assim, resolvi abrir mais uma janela... No rasto do sol!

4 Comments:

  • At 2:30 da manhã, Blogger Viagem na Mayonese said…

    Está lindo como sempre. É bom ter-te de volta ;)

    Beijinhos

     
  • At 2:57 da tarde, Blogger Maria said…

    Porque todos temos um tempo para tudo, tu tiveste o teu tempo de ausência... Estás de volta mais forte e mais "Tu" outra vez... É bom sentir-te assim... Beijos grandes Miúda!

     
  • At 4:11 da tarde, Blogger Ines said…

    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

     
  • At 4:13 da tarde, Blogger Ines said…

    Obrigada, meninos! :)
    É muito bom estar de volta!

    Beijinhos.

     

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