No rasto do sol

domingo, outubro 09, 2005

Alice


Nota de intenções
Interessava-me na história de "Alice" explorar sobretudo a obsessão. Alguém que perde uma filha e que, sentido-se impotente para agir, cria um sistema paralelo de funcionamento, exterior à sociedade em que vive. Quando, à noite de regresso a casa, vemos os vídeos de Mário e toda aquela multidão anónima, em movimento continuo, já não sabemos se aquelas imagens são reais se apenas existem na cabeça de Mário.Um rosto igual a outro rosto, uma rua igual a outra rua, um dia igual a outro dia. A cidade como local de abstracção onde, alguém como Mário, pode estar profundamente isolado. Na procura de Alice, Mário conhece outras personagens, também elas, de alguma forma, sozinhas também elas isoladas na cidade onde vivem."Alice" é sobretudo um filme sobre a ausência. Uma história de amor de um pai por uma filha.
Marco Martins

Sinopse
Passaram 193 dias desde que Alice foi vista pela última vez.Todos os dias Mário, o seu pai, sai de casa e repete o mesmo percurso que fez no dia em que Alice desapareceu.A obsessão de a encontrar leva-o a instalar uma série de câmaras de vídeo que registam o movimento das ruas. No meio de todos aqueles rostos, daquela multidão anónima, Mário procura uma pista, uma ajuda, um sinal...A dor brutal causada pela ausência de Alice transformou Mário numa pessoa diferente mas essa procura obstinada e trágica, é talvez a única forma que ele tem para continuar a acreditar que um dia Alice vai aparecer.

Alice!

Démos as mãos e fomos os dois à procura da Alice. Perturbador. Tão perturbador que se não fosse o calor do teu corpo, o aconchego do teu peito, presumo que não teria sido capaz de distinguir ficção e realidade. O teu papel na minha vida, por vezes, é mesmo esse... ajudar-me a fazer a distrinça entre dois mundos.

Procurei a Alice, contigo, através de ti. E encontrei-me naquela menina que nunca chegou a aparecer. Revi-me naqueles caracóis, no casaco azul e nos pombinhos da Praça da Figueira. Lembrei-me do piolhito a correr no meio dos bichos e a saltar nas pocinhas deixadas pela chuva.

Senti o medo, a angústia, um fio de dor, que não sendo minha, tomou conta de mim. Aterrador. Precisei do teu abraço para me sentir outra vez segura. A Alice não voltou, regressei a casa abandonada por essa perda e tive que acordar a minha criança para me certificar que estava bem, protegida por mim.

O limiar da loucura que passou diante dos nossos olhos, incomodou-me. O desespero e a perda do norte numa cidade cinzenta e demasiado grande para não nos desencontrarmos. Tive medo de um dia deixar de te ver, de te sentir... percebi que podia experimentar aquele desequilíbrio, aquele vazio, aquele desespero...

Já não há palavras... o diálogo é mudo... a música é sublime, Bernardo Sassetti... o amor é sempre imenso, intenso, inesquecível, intemporal...