No rasto do sol

terça-feira, outubro 11, 2005

Crescida

Passaram uns anos... já não sou a mesma, se me visses agora nem me reconhecias...
Daquela miúda conservo pouco mais que o sorriso, ou melhor, a forma de sorrir; porque o martírio do aparelho de ortodôncia, serviu para me corrigir os dentes que a chucha entortou.
Estou tão mais crescida... hoje, quando me cruzei contigo, é que percebi o quão. E tive saudades tuas, saudades do que representas, saudades do que fui.
A paixão assolapada que eu tive por ti... coisas de miúda. A história de um amor impossível, que fui alimentando durante grande parte da minha adolescência, nunca precisei de ta contar... sempre soubeste, tinha escrito na testa.
Os vários anos que nos separam permitiram-te achar-me piada, num lugar mais ou menos confortável...
Agora olho para trás e 'tropeço de ternura por ti', afinal, também tu eras um miúdo... eu é que te via grande, muito grande, demasiado crescido para estares comigo e suficientemente grande para gostar tanto de ti.
A vida afastou-nos, hoje não passamos de dois estranhos que partilham memórias de um passado perdido, algures, entre a magia da costa alentejana e o bulício desta grande cidade.
Mas tu não deixas de ser tu, património sagrado das minhas melhores recordações... naquela altura o mundo era um lugar mágico, tu eras o príncipe que ia esperar que eu crescesse para casar comigo, acreditava em qualquer coisa muito parecida com um conto de fadas e tu foste o escolhido para fazer parte desse universo encantado.
É óbvio que, a esta distância, só me posso rir daquela menina que só queria ser crescida depressa para poder viver no mundo dos adultos. A mesma que tinha a cabecinha cheia de fantasias que só são permitidas aos infantes.
Achava-te o máximo, adorava andar pendurada em ti para todo o lado, tratavas-me de igual para igual e olhavas-me com um misto de carinho e admiração... O que é que, naquela idade, eu podia querer mais?!
Foi amor à primeira vista... lembro-me de ter dito à minha mãe que um dia havia de casar contigo... tolices de garota sonhadora. Fiz planos, enchi páginas e páginas de diários com as mais diversas divagações e fui crescendo com este amor, através dele, o meu primeiro amor.
Depois de umas quantas aproximações perigosas, fomos perdendo o contacto até que, deixámos de nos ver. Esporadicamente, fui tendo notícias tuas... tropeçava em ti sem nunca te encontrar, caprichos do destino.
Confesso que, algumas vezes, me passou pela cabeça 'ir à tua procura'... sobretudo, quando os homens de quem gostava me magoavam... mas acabei sempre por nunca o fazer. Talvez tenha sido o medo, agora que me tornei numa pessoa crescida, não quis destruir a ilusão que levei tanto tempo a construir.
Para mim, foste o melhor homem do mundo, nunca me magoaste e fazias-me feliz... era tudo tão simples, tão pueril.
Cresci, mas tu ficaste sempre presente... presente através da ideia que edifiquei de amor, através de ti... cresci e, inconscientemente, mantive a convicção de que um homem para merecer o meu amor tinha que ser como tu... tu como termo de comparação, a inevitável comparação.
Aquilo em que me tornei tem muito do que fui através do que esta estória fez de mim... e ainda bem! Influenciaste, para sempre, a minha forma de ver e viver o amor.
Estou muito mais crescida, é verdade!, mas continuo a ser eu... porque a essência das pessoas não muda e todos temos um plano estrutural básico. Por isso, olhei para ti e percebi que -mesmo BEM mais crescido- continuas a ser o mesmo, continuas a ser tu.
Havemos de ser sempre nós... "mesmo que a vida mude os nossos sentidos e o mundo nos leve pra longe de nós"... Lembras-te?!
Nunca percebi o que te trouxe... deve ter sido por isso que aceitei que te tivesses ido embora, assim, de um dia para o outro e sem dizer nada. E entretanto, cresci, arrumei esta história... a vida foi aconteceu e pronto. Tive outros amores, apaixonei-me, fui feliz, chorei... e às vezes lembrava-me de um dia ter gostado muito de ti.
Hoje tropecei na tua presença, por acaso, calhou... vi-te, sem estar contigo. Vi-te, vi-te com aquela menina recém-nascida e fiquei completamente embevecida... vieram-me à memória as vezes todas que sonhei ver-te com um filho meu nos braços. Ainda bem que os sonhos não envelhecem... no dia em que for mãe, vou lembrar-me de ti porque hei-de ter ao meu lado um homem que -como tu foste, como tu me ensinaste, como tu- seja digno de todo o meu amor.