No rasto do sol

domingo, janeiro 23, 2005

O tio Zé

Eu sempre fui diferente, introvertido, com pouca habilidade para lidar com afectos. Não que quisesse ser um daqueles marialvas que, além de malabaristas, se armam em ilusionistas e acabam a despedaçar corações. a minha mãezinha é que dizia "o Zézinho é desajeitado mas, tem um coração enorme!". Deve ter sido por isso que vivi com ela toda a vida, eu cuidava dela e ela cuidava de mim. Já que não tive competência para arranjar uma mulher como deve ser, pelo menos fiquei a amparar a única que me amou apesar dos meus defeitos e fracassos. E, tive a vida organizada e as camisas impecavelmente engomadas.
Eu cá nem ligo muito a essas coisas, mas a minha mãe achava que por ser doutor, tinha a obrigação de andar sempre impecável. Mas do que eu gostei sempre, toda a vida, foi de números. Desde pequeno, a matemática exerce sobre mim um fascínio incomensurável. De tal forma que, deixei sempre tudo pelas contas, de somar, multiplicar, subtrair, dividir... e, agora, contas feitas a minha vida dá resto de zero.
De que me serve ter sido sempre o melhor? A mãezinha já não está cá para me ver sair todo engomado para o trabalho, não tenho filhos, nem histórias para contar. Essas, são o resultado de vivências, partilhas, palavras e afectos... e, para isso, eu nunca tive jeito. E, a culpa deve ser da maldita esquizofrenia que, às vezes, me faz acreditar -e dizer a toda a gente- que vou casar com uma pessoa muito especial que conheci num jantar. Depois, acordo da fantasia e sinto-me vazio, abandonado pelas minhas ilusões e malabarismos. Fico deprimido e entrego-me, assim como assim, a minha mãe nem sequer está cá para ralhar comigo. Ando muitos dias com o mesmo fato e a barba por fazer. Saio à rua só para comprar cigarros e volto a correr para casa. Refugio-me nas contas... a única coisa que sei fazer.
Mas, agora, estou melhor. No outro dia, uma aluna pediu-me explicações e disse que sou encantador. Se calhar encontrei a mulher certa para casar comigo... e, desta vez, a soma é positiva porque não há ilusões nem malabarismos, só uma trapezista com cara de anjo a querer ensinar-me a voar.