No rasto do sol

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Montanha russa

Inevitavelmente, voltamos sempre ao mesmo: o amor!...
Tudo já foi dito e redito, tudo já teve o seu direito e o seu avesso, no entanto,
quando o dizemos de dentro, é como se tudo
num breve instante se esbatesse e reencontrássemos a voz primordial.
É assim com a pessoa amada, é assim em todas as canções de amor.
Claro que gostamos de finais felizes, claro que fazemos sentir a nossa falta,
claro que nos irritamos, claro que projectamos na voz da pessoa amada
os nossos mais secretos desejos...
Claro que nos desiludimos para voltarmos ao mesmo: o amor!
Atravessamos um deserto cego e frio e só depois nos damos conta; deixamos livros marcados para que o outro dê conta de nós; rasgamos a pele e a roupa para que, num desespero de carência, se ofereça o essencial... e, no entanto, só perante o amor avaliamos a nossa total fragilidade. É o suspenso momento de todas as indefinições, de todos os medos, de todas as dúvidas... Mas, simultaneamente, o grande delta de toda a razão de ser,
a grande casa inacabada.
João Monge.
Por isso regresso sempre... o amor é uma história inacabada.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

A menina dos olhos

Para J.

"Esta miúda tem uns olhos...!". Cresci a ouvir esta frase, um elogio tantas vezes repetido, banaliza-se. Sempre tive olhos azuis, os olhos azuis do pai. As janelas da alma que traduzem a identidade da família. Tornou-se um hábito ser admirada pelo sexo oposto (e invejada pelas outras) pelos meus olhos, como tal, sentia que se não fossem estes ninguém me acharia gracinha nenhuma.
Já nos tempos de colégio, distinguia-me dos outros meninos de bibe amarelo, por ser 'a menina dos olhos'. Corria despreocupada pelo recreio, sem me importar com absolutamente nada e, nessa altura, já sabia tirar partido dos meus olhitos. Sempre que queria alguma coisa, olhava as pessoas nos olhos, com carinha de canito abandonado e acabava por dar a volta à situação.
e depois vieste tu. Num jantar qualquer, com amigos comuns, uns copos a mais numa noite quente de fim de verão. Apaixonei-me pelo tom de voz com que afirmaste: "Deves ter ouvido toda a vida que tens uns olhos lindos... e é verdade!... mas do que eu gosto mesmo é da alma com que olhas, do brilho que cada olhar imprime ao teu rosto de miúda rebelde!". Conquistaste-me! Fiquei rendida à tua técnica de sedução. O primeiro homem a ver-me para além dos olhos.
Três anos e meio de uma relação intensa e arrebatada. Sempre a sorrir, com uma luz mágica, própria de quem vive apaixonado e um palmo acima do chão. Um amor maior que o tempo e que o espaço que nos uniu. Encontrei-te numa curva da vida e percebi que me ias tatuar a alma e a pele. Não me sentia sequer capaz de cogitar a minha vida sem ti, quanto mais vir a esquecer que um dia havias feito parte dela.
Só que o mundo girou e a história desta estória acabou por sofrer uma reviravolta. A verdade indesmentível do nosso amor maior, sucumbiu à separação e à ausência.
Um dia, do nada, chegaste com a notícia da tua partida. Ias fazer uma pós-graduação para os Estados Unidos e não tinhas data para voltar. Era incomportável largar tudo para ir contigo, pelo que, foi inevitável dizer adeus. Ambos sabíamos que o amor resiste a tudo menos à distância... não valia a pena alimentar ilusões e falsas esperanças. Ficar longe implica dividir as estórias, crescer afastado, não partilhar novas experiências e vivências. Nós que fôramos um só, desde o primeiro dia, íamos evoluir para lados opostos e o rumo das nossas vidas estava condenado a bifurcar-se.
Chorei em silêncio. Lágrimas contidas de quem tem a alma desfeita. Ir embora era o melhor para ti e, eu sabia-o por mais que doesse fundo, quem ama quer o melhor para o sujeito amado. "Vai, meu amor, vai e não percas nunca a certeza de que o mundo é todo teu!".
Custava-me tanto ver-te partir, como a ti deixar-me ficar para trás. Mas as coisas são mesmo assim e não havia volta a dar-lhes.
Na nossa última noite juntos, trouxeste-me um dos maiores 'romances' da poesia lusa, Alexandre O'Neill e, com os olhos marejados de lágrimas, disseste-me um Adeus Português (um dos meus poemas favoritos)... "Nesta curva tão terna e lancinante, que vai ser, que já é, o teu desaparecimento, digo-te adeus e, como um adolescente, tropeço de ternura por ti".
Foi-me, de todo, impossível conter as lágrimas. Ouvir-te pronunciar tais palavras, trouxe-me à memória a noite da nossa descoberta. Apaixonei-me pela melodia da tua voz, a mesma que agora embalava o instante da despedida. Fiquei com o olhar perdido no vazio, era impossível conservar a alma se ia perder a luz.
Acordámos com os primeiros raios de sol a fazerem-nos festinhas no nariz. O percurso até ao aeroporto foi feito num silêncio de cortar a respiração. Sentia-me incapaz de proferir qualquer palavra, não tinha coragem de pedir que ficasses. Não merecias isso, nem eu e muito menos a nossa relação... ias culpar-nos, o resto da vida, se desperdiçasses tal oportunidade. Sempre foste o melhor, tinhas que te juntar aos melhores.
Conduzi-te até à sala de embarque. Caminhámos lado a lado. era imperativo separar caminho ali. "Amo-te! Vai e não olhes para trás, tens uma vida inteira à tua espera, segue em frente, abre os braços e o coração para receber o que ela te oferece. Vai e não percas nunca a certeza de que o mundo é todo teu!". E fiquei a ver-te ir embora, perdido e cheio de medo, num pássaro enorme que te ia levar para um novo capítulo.
Escusado será dizer que os tempos que se seguiram foram terrivelmente dolorosos. Demorei muito a ser capaz de aceitar convites para sair. Sentia-me incompleta, mutilada, faltava-me o sorriso fácil e espontâneo, tinha visto perder a minha outra metade.
Sabia (e consumia-me sabê-lo) que mesmo que um dia regressasses, nada seria como antes, tu e eu ter-nos -íamos tornado pessoas diferentes daquelas que um dia se amaram e acabaríamos por não ser mais do que dois estranhos.
Só que, na vida, as coisas nem sempre se revelam conformes ao que pensamos ser imperativo. Há, na verdade, muitas verdades.
O mundo tornou a girar e a mesma vida que te havia arrancado dos meus braços dois anos antes, trouxe-te de volta. Fui ao aeroporto buscar-te. E, mais uma vez, calámos as palavras. só o amor, só o nosso amor, existe!
E valeu a pena a espera, a dor da ausência, a infantil esperançazinha que me fez 'esperar por quem não disse que vinha', valeu a pena! Já dizia a poetiza, "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena"! E, a nossa alma é enorme, tão grande como o amor que nos voltou a juntar.
Passou tudo e agora observo-te a dormir, em todas as noites iguais a esta, nos meus braços, do lado direito da cama e da minha vida... aninhado neste sentimento desmedido que faz de nós um só... como na fotografia que está na nossa mesa de cabeceira a exibir o nosso melhor sorriso.
E viver é isto. Ser a menina dos olhos de alguém que nos lê a alma, no primeiro instante, para fazer parte dela... a cada amanhecer, o resto da vida, enquanto houver caminho.

sexta-feira, dezembro 10, 2004

A uma Inês...

Embora não tenha sido escrito para mim, gostei de chegar e ver este poema espalhado pela faculdade inteira...

"Um dia apaixonei-me por uma Inês.
Começei a escrever-lhe poemas e terminei na declaração
de amor da nossa geração."
Rui Faustino

As Inezes são muito à frente! ;)

terça-feira, dezembro 07, 2004

A retórica do amor

Para a T.T. que sempre me comoveu com a sua forma única de amar... um exemplo de abnegação, entrega e carinho.
Para a T.T. que teve o privilégio de viver uma das histórias de amor mais bonitas que conheço.
Para R. e J. que têm a sorte de ser fruto deste amor.
Para ti . que testemunhaste comigo a história desta estória.
Para o avô G. por ter vivido um amor assim.

Há amores (quase) de sempre, que são para sempre. Resistem a tudo... à dor, ao tempo, às infidelidades, ao desgaste provocado pelo quotidiano... enfrentam a vida e superam a morte.
Quando te conheci, meu amor, ainda brincava com bonecas. Apaixonei-me por ti, mesmo sem saber o que isso era. Unimos as mãos e a vida muito antes de dizer o 'sim' na igreja. Crescemos juntos, na mesma direcção. Fomos descobrindo o mundo, um com o outro. E a construção do nosso amor foi-se fazendo de partilhas e entregas. Sempre nos ligou um laço invisível, alimentado por uma cumplicidade absoluta. Dividimos tudo, todos os dias, a cada dia. Tornámo-nos num só, porque amar alguém é isso mesmo.
A história evoluiu naturalmente, casámos e tivemos filhos. Edificámos uma vida, a nossa, reduto dos nosso afectos. Íamos ficar juntos o resto dos nossos dias... quando transpunha as barreiras do tempo imaginava-me, daqui a muitos anos, sentada ao teu lado no banco do jardim. Sonhava uma velhice tranquila, com natais em família e muitos netos à volta.
Tu és o grande amor da minha vida, o único, o derradeiro. Custa-me aceitar a tua partida repentina e inesperada. Já não vivo, sobrevivo e mantenho-me erguida para cuidar o que deixaste. Sei que te devo isso. Mas, não me podes impedir de sonhar com o dia em que Deus me leve outra vez para junto de ti. Quero acabar de criar os miúdos e depois... missão cumprida.
Olho, demoradamente, para as tuas cinzas. Incrédula. Tu não és isto. Todo o meu amor não se reduz a um simples pedaço de foligem. Vou cumprir a tua vontade e lançá-las ao mar. Ao mesmo a que sempre pertenceste, reflexo perfeito da imensidão da tua alma, do teu amor.
Não quero dizer-te adeus, até porque não sou capaz, prefiro fazer de conta... opto por um sorriso... "Bom dia, meu amor! Até logo!"

"... aprende-se a calar a dor..."

Os dias sucedem-se, cheios de ti, cheios de nós. Escrevi num livro tudo aquilo que te fui dizendo ao longo de vinte e tantos anos de vida em comum. "Amo-te!". Tinha que eternizar as palavras, para que a memória nunca me atraiçoe, para que a tua -a nossa- memória nunca seja traída.
Apresentei o romance. Falei-lhes de amor. Na assistência, vi os rostos emocionados dos nossos amigos, muitos acompanharam de perto o desenrolar desta história e sentem-se parte da partilha. Fui incapaz de desiludi-los, nem seria justo. O espectadores também sentem a peça, apesar de serem os actores a vivê-la.
Muito maior que a minha dor, é a força deste amor materializada nas palavras que te escrevo, através do enorme legado que me deixaste. Se não tivesse sido capaz de recorrer à escrita como forma de terapia, por certo, teria enlouquecido. Precisei de dar algum sentido à vida e aos afectos que se perderam à tua partida, para ser possível recuperá-los de algum modo.
Nunca pensei que isto me pudesse acontecer e também nunca me julguei capaz de sobreviver a tamanha dor. "Nunca digas nunca!", repetias vezes sem conta. Na minha vida o Peter Pan não foi só uma mera história para crianças... foste tu, feito de sonho, magia e verdade. A fantasia também acontece na vida real. E tu envolveste a minha em pózinhos de perlim-pim-pim. Mas isso, isso eu não poderia explicar no lançamento de um livro, sequer em jeito de confissão a um grupo de amigos.
O amor não se explica -vive-se! Intensamente, a cada dia, como se fosse o último. Por termos sido assim, é que não me sinto tentada a dizer "só lamento não lhe ter dito mais vezes o quão o amava"... porque nós falávamos de amor a toda a hora, com os olhos, com as mãos, com a boca, com o corpo e com a alma; mesmo que quem estivesse à volta não nos pudesse ouvir. é por isso que te continuo a escrever, quase em segredo para que ninguém me chame louca, para que a nossa privacidade não seja devassada. A intimidade, essa partilho-a contigo, como sempre e para sempre. O amor também é feito de retórica e, agora, mais do que nunca descubro por ti (e através de ti) o seu valor... A retórica do silêncio.
O amor molda-se à vida. Ou será a vida a moldar-se ao amor?! Seja como for, eu moldei-me a ti (na vida e para a vida), Amo-te!

segunda-feira, dezembro 06, 2004

No rasto do sol...

Voltei à Blogosfera...
No rasto do sol.

Duas luas no céu e duas canções
dois olhares que cruzam a procurar
um sol um luar
e todos os lugares onde a luz se pode abraçar

doze luas em ti e sete marés
sete barcos navegam a procurar
um porto uma praia
talvez no fim do mar onde alguém nos venha esperar

vem comigo no rasto do sol
eu vou contigo
vem comigo do outro lado das muralhas
eu vou contigo

duas luas no céu na palma da mão

dois olhares que se entregam até ao fim
do corpo e da alma
em todos os lugares onde o mundo me fala de ti

à tua volta há luz de sete luares
sete barcos navegam para encontrar
um fogo um calar
talvez no fim de tudo haja força pra recomeçar

vem comigo no rasto do sol
eu vou contigo
vem comigo do outro lado das muralhas
eu vou contigo

duas luas no céu e duas canções
dois olhares que se cruzam a procurar
um sol um luar
e todos os lugares onde a luz se pode tocar

vem comigo no rasto do sol
eu vou contigo
vem comigo do outro lado das muralhas
eu vou contigo

Mafalda Veiga

domingo, dezembro 05, 2004

Idiossincrasias&Janelas

Amor (Lat. amore), s.m. viva afeição que nos impele para o objecto dos nossos desejos; inclinação da alma e do coração; objecto da nossa afeição; paixão; afecto; (...)

Esta é a definição de 'amor' dada pelo dicionário Universal da Língua Portuguesa. É o ponto de partida para as inúmeras palavras que cada um de nós tende a acrescentar à sua própria (re)definição. Idiossincrasias. Porque nada é estanque, linear, objectivo e exacto. Cada verdade encerra em si tantas verdades quantas as pessoas envolvidas. O fenómeno até pode ser o mesmo mas, altera-se pelos olhos de quem o vê, consoante a perspectiva do observador, torna-se volátil.
Cada pessoa tem uma janela própria de onde vê a vida, a que lhe passa diante dos olhos e que constitui a sua verdade, a sua realidade. Deve ser por isso que só compreendemos o que nos é espelhado no coração. A nossa verdade, única, pessoal e intransmissível.
A menos que a janela seja muito grande, como a minha (o que por vezes é complicado de gerir), porque como a realidade que vislumbramos (através) da nossa janela é (quase) superior aos limites do nosso campo visual, temos que recorrer aos afectos para que a possamos intuir. E eu não posso esperar que alguém que tem uma janela pequenina, consiga perceber que através das vidraças da minha grande janela se desvenda um mundo imenso (de -outras- verdades que não são só minhas) que me transcende.
A minha realidade começa muito antes de mim e ultrapassa-me em larga escala. Compreende todos os olhares que cruzam e atravessam o meu, todos os meus afectos e os afectos de todos os que me afectam, a mim e aos meus afectos.
Podia ter feito cortinas, transformava a janela num postigo e reduzia a vida a uma escala bem mais simples. Só que, ter uma janela grande é como ter um coração imenso... ao mesmo tempo que entra a chuva, irradia um sol enorme que irrompe pelas vidraças e contagia tudo. Talvez tenha sido por saber isso que optei por não ficar sentada, atrás da vidraça, a observar os fenómenos. escolhi sempre apanhar a chuva e o sol, contemplar a vida no epicentro dos acontecimentos e depois escrever. Escrever. Dar nomes às coisas. Dar sentido ao que vejo, sinto, penso, imagino. Dar sentido às palavras. E partilhar. Partilhar com as outras janelas, a paisagem da minha. Por amor. Porque a escrita é, antes de mais, um acto de amor... de entrega... de partilha.
Idiossincrasias. É o que tenho para partilhar. A reacção individual e própria da pessoa que sou. A minha relação particular com o mundo, com os mundos que atravessam o meu. Por isso, escolhi contar estórias, por amor. Por amor às palavras e aos personagens que lhes dão sentido. Sou uma narradora de afectos, os meus, os dos outros e os que os outros provocam em mim. Participante, não participante, omnisciente, presente, ausente... conto histórias das marcas que deixamos uns nos outros. Palavras ao vento...
Não tenho qualquer pretensão... a escrita é só (para mim que estou longe de ser escritora) um mero processo de catarse, de todos os 'eus'.

A minha definição de amor é corroborada pela luz da janela da minha alma, pela luz que os meus afectos me emprestam a cada dia. Sou mesmo uma iluminada... porque o que conta, verdadeiramente, na vida é o amor que damos e recebemos uns dos outros. E a escrita confere ao amor um carácter de permanência e imortalidade, permite-nos devolver aos outros o que recebemos. Por outras palavras, a magia da palavra escrita está na sua efectiva permanência, na possibilidade que abre à partilha, é uma hipótese à construção (cada vez mais rara) de pontes em vez de muros.

Assim, resolvi abrir mais uma janela... No rasto do sol!