No rasto do sol

terça-feira, abril 19, 2005

Tios e tias... através de ti... Gonçalo Maria

Meu querido Gonçalo Maria,
Escrevo-te estas linhas para que, daqui a alguns anos, quando já puderes ler e compreender, saibas o quão marcante foi para nós o teu nascimento.
No dia em que soube que a tua mãe estava grávida de ti, percebi que um filho não é um plano e sim uma escolha. um produto do amor, que se vai fortalecendo e edificando, que cresce todos os dias com a barriga, e que não pára nunca de aumentar.
Durante nove meses aguardámos, ansiosos, a tua chegada. Todos. Cada um à sua maneira. escolhemos presentes, demos palpites, vibrámos... porque, desde o primeiro dia, te tornaste o príncipe de todos nós. A primeira ecografia, as consultas no médico, a decoração do quarto, o berço, as roupinhas, a maxi-cosi... assistimos a tudo, participámos, vimos, sonhámos. Sim, meu pequenino, tu acabaste por ser também o nosso sonho. Vimos-te desenvolver na barriga da tua mãe, - que passou a gravidez inteira a comer ferrero rocher para que tu nascesses ainda mais doce-, passando a gostar de ti mesmo sem te conhecer, porque soubémos logo que tu ias fazer parte das nossas vidas. Através de ti, sentimo-nos todos um bocadinho pais e mães, deve ser por isso que tens os 'tios' e as 'tias' mais babadas do mundo.
Sem saberes, Gonçalo, tu foste concebido para mudar o mundo. Enquanto imaginávamos como ias ser e com quem serias mais parecido, fomos assistindo -maravilhados- às revoluções que provocavas. Aos poucos, o teu pai deixava de ser o Peixinho do Havy Metal e dos cabelos compridos e aprendia a ser pai, todos nós fomos mudando e sendo transformados por ti. Pelo teu amor.
Antes de seres o Gonçalo Maria, foste o babe, o resultado perfeito da equação, 3+1. A cereja em cima do bolo, amor e razão, a razão do amor, de tanto amor. Eu tive a sorte de testemunhar a evolução da história dos teus pais, um amor maior que fez a tua mãe virar a vida do avesso, a dela e a do teu pai. Porque o amor move, mesmo!, montanhas e torna as pessoas infinitamente melhores. E este amor materializou-se, ganhou vida e nome... através de ti, Gonçalo Maria.
Hoje, quando te seguro no colo, olho-te enternecida e tenho a certeza de que vale sempre a pena. sabes, meu amor, tu és um 'filho da Sul América'; ainda eras um feijãozinho e já participavas nas nossas conversas, ouviste-nos os sonhos, as lágrimas e lamentos, as alegrias e vitórias. Desde sempre, fazes parte do nosso universo. Desenvolveste-te no meio de mulheres, mulheres que amam e vivem intensamente; ouviste falar de afectos, conheces o amor do mundo através da vida de cada um de nós, mulheres e homens. Nisso, és um privilegiado, viste acontecer a vida pela janela mágica das emoções. Tenho a certeza de que vais ser uma pessoa muito especial. És meu cúmplice e sinto isso quando me meto contigo. No carrinho ou no colo, fitas-me com o olhar e mostras-me que sabes exactamente o que me vai na alma. No outro dia até me piscaste o olho... e eu cantei baixinho, só para nós... "seremos cúmplices o resto da vida".
E eu quero continuar aqui, a ver-te crescer e desenvolver. Partilhar afectos e sentir todos os dias, através de ti, que o mundo está melhor. Porque, de vez em quando, a vida dá-nos presentes incomensuráveis e tu, meu pequenino, muito mais que um presente és uma dádiva! Um ser mínimo que transformou o universo inteiro... conversas, prioridades, laços, vidas. Tudo mudou com a tua vinda.
Bem-vindo sejas, meu amor!

segunda-feira, abril 18, 2005

O valor de um sorriso

As máquinas captam-nos os sorrisos, as fotografias perpetuam os instantes e devolvem-nos o momento. Vi-te através da lente e descobri-te para além desta, só para poder gostar de ti... desfocado pelo flash, revelado pela vida.
O fotógrafo estava cansado de retratar sempre o mesmo modelo, encontrou um novo olhar. Trazia sonhos e sorrisos displicentes, parecia despreocupada, inconsequente, livre, leve e solta. Não tinha passado nem futuro, dançava pela vida ao som do barulho das luzes. Brincava. E falava muito, de tudo, menos dela. Não se mostrava. Dava-se sem se dar. Ria muito, alto, como se cumprimentasse a vida. E sorria para a câmara. Piscava o olho ao fotógrafo.
Ele já se tinha esquecido de como era ser invadido pela vitalidade de quem (ainda) tem dezoito anos. Tentou resguardar-se, atrás da máquina, mas precisou de espreitar para poder ver melhor. Ficou curioso, quis captar-lhe a alma. Arrumou a máquina e foi descobri-la. Através do cheiro, do toque, do calor.
Jogaram. Ela fazia poses e ele fotografava. Ele fotografava e ela fazia poses.
Habituado a escolher o mundo através da lente, objectiva, guardando apenas o que queria, escudava-se na câmara e tentava passar despercebido. Ela fez de conta que ele estava a conseguir. Deixou que a ilusão tomasse conta de ambos. Matou o tempo. Esqueceu um passado que não tinha, congelou a ideia de futuro e delimitou o presente.
E o fotógrafo esqueceu a objectiva. Pegou no modelo e esqueceu (também) o resto. Entre ambos, as palavras pareciam supérfulas. Entendiam-se. Compreendiam-se. Num silêncio cúmplice que, por vezes, até foi falado.
Ele precisava de segurança... a que tinha, escolhida e construída. Mas também precisava do afecto que ela lhe dava, gratuitamente, sem fazer perguntas. Não sabia nada dela mas gostava de a ter no colo, a miúda que (ainda) ria despreocupada, não tinha medo. Envolvia-se sem se dar, dava-se sem se envolver. Deu férias à vida que tinha e depois não soube voltar. Arriscou mantê-la por perto, só para não a perder. Ela cresceu, e voltou. Voltou ao que era, uma miúda crescida, racional, responsável, cerebral... mas continuou a sorrir, para ele, para a máquina, por ele, através dele, para a vida.
Pegou na câmara.
Quanto vale um sorriso? O sorriso da menina dos olhos de alguém...

terça-feira, abril 12, 2005

Razões

Esta estória é dedicada a todas as Anas, a todas as Ritas e a todos os homens que a poderiam ter escrito... eu conheço vários!

Acusas-me de falta de amor. Para ti é muito mais fácil julgar-me, acreditar que não fiquei contigo por falta de amor do que tentar compreender as minhas razões.
Ana, tu não me deixaste alternativa. De um dia para o outro resolveste que tinha que escolher: "ou eu ou ela"; e nem sequer me deste tempo para decidir, achaste que ponderação era sinónimo de hesitação e que esta se confundia com o facto de não gostar de ti. Preferiste a dúvida ao conflito e foste embora, sem mais nem menos. Não quiseste perceber que há posições que não se podem tomar de ânimo leve, levianamente.
Neste caso, havia demasiada coisa em jogo... a nossa relação e a minha relação com a Rita. Eu sei que vais dizer que sou um filho-da-mãe e que os homens são todos iguais. Mas, na verdade e para ser honesto, gosto muito das duas. Vocês completam-se e completam-me. Como é óbvio, sei perfeitamente que jamais poderia ficar com ambas; digo-te isto apenas para que percebas o dilema em que me vejo metido. Com a Rita tenho uma história de anos, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Temos uma vida em comum e carregamos o peso que resulta desse facto; mas, já não sei o que é que sobra apesar disso. Contigo, pequenina, vivi a vertigem da redescoberta da paixão, voltei a sentir. Talvez viva um conflito interior, de um lado a minha necessidade premente de segurança e do outro o arrebatamento.
Quando te conheci, olhei para ti e vi mais uma. Ias ser mais um risco na parede. Mas, trocaste-me as voltas, dificultaste-me a vida e adquiriste o estatuto de trofeu. Tive que te conquistar aos poucos, avançando umas vezes e recuando outras, durante muito tempo. O problema tomou forma e eu não me apercebi. quanto mais te envolvia, mais envolvido ficava. Não levei a Taça. Foste embora, de repente, deixando um enorme vazio.
Eu não sei se teria trocado a estabilidade que a Rita e a minha relação com ela me ofereciam, por uma estória de contornos incertos com uma mulher como tu. Seja como for, percebi que gostava muito de ti, no dia em que te perdi. Senti que a minha vida havia perdido a luz e a côr que só tu lhe emprestavas.
Fiquei com a Rita, porque tu te foste embora. Não lutaste por mim. Não quiseste ficar ao meu lado para me mostrar, que valia a pena investir em nós, que a minha relação com ela tinha caído num marasmo insuportável e que só continuávamos juntos por hábito e comodismo.
Foste embora com o intuito de não sofrer, sem pensar por um minuto sequer que me poderias estar a magoar. Se calhar, eu para ti é que era um trofeu, um capricho de menina mimada... por isso foste embora... pela falta de amor de que me acusas.